
Tudo o que em mim reclama é uma vontade. Minha subjetividade é meu espaço e minha caneta meu tempo, que se encerra e se inicia cada vez que a tinta deixa o papel, como quando ao escrever um i, a caneta abandona o papel para desenhar o ponto da letra. Me perco no nada e o vazio me toma. O vazio é experimentar uma torta de brigadeiro sem paladar e a vontade é uma mentira, é achar que se a torta fosse de prestígio seria gostosa. Mas não é o paladar que não me tem e sim eu quem não o tenho. Fecho os olhos para não expandir o medo e me enxergo. Onde estou? Que interior é esse que fala e cala até que uma voz parida pelo pensamento aconteça prematuramente? Logo os abro para falar da materialidade das coisas, já que falar do que se vê é mais fácil. Recuso. Uma lágrima conta a um cílio que ainda existe um pingo de justiça. O momento é um ferro enferrujado de tétano que me perfura o cérebro e me faz ser, porém então num segundo já não sou, porque o ferro não é estático e alguém o enfia e o tira para experimentar um flash de felicidade através da minha dor. A dor é o que de mais humano existe e é por isso que escrevo. Quando me conto me enfeito o corpo de band-aid e disfarço as feridas. Existem muitos tipos de band-aids: estampados, lisos, coloridos... Mas quando a sinceridade aparece e revela meus pudores eles caem e não voltam a grudar, o tétano vai virando lepra e para me dizer, crio. Só a criação traz a sensação de novo, que some por ser plágio antes que eu possa inspirar o cheiro de plástico virgem. Por isso mergulho e deixo meus pulmões encharcarem d’água, aí a boca da existência me beija e me chupa, fazendo-me cuspir um peixinho transparente que lutava contra dez ouriços no meu estômago. Me transformo num cacto pelo avesso, mas o avesso que é minha essência não resiste ao sol. O tétano, a lepra e os espinhos já consumiram minha embalagem, mas o sol desidratou todos os meus segredos, talentos e idéias que guardava em meu calabouço. Encerro-me e junto comigo se encerra uma vontade, a vontade do começo, vontade de escrever e de terminar o mesmo ato.